2 de novembro de 2011

Silêncio



No silêncio, desligamos nossa alma dos “sons”, sejam eles ruídos, cânticos ou palavras. O silêncio total é raro, e o que chamamos de “quieto” significa geralmente um pouco menos de barulho. Muitas pessoas jamais experimentaram o silêncio, nem se dão conta de que não sabem sequer o que ele significa. Nossos lares e locais de trabalho estão repletos de zumbidos, apitos, murmúrios, tagarelices e sonidos dos vários dispositivos supostamente idealizados para tornar a vida mais fácil. Tal barulho nos conforta de uma forma curiosa. De fato, achamos o silêncio total chocante. Ele deixa a impressão de que nada está acontecendo. Num mundo frenético como o nosso, nada poderia ser pior do que isso!

O silêncio vai além da solitude, e sem ele a solitude tem pouco efeito. Henri Nouwen observa que “o silêncio é a forma de tornar a solitude uma realidade”. Entretanto, o silêncio é assustador porque ele nos desnuda como nenhuma outra coisa, confrontando-nos com a realidade crua de nossa vida. Ele nos lembra a morte, a qual nos cortará deste mundo, deixando apenas nós e Deus. E o que implica “apenas nós e Deus”? Pense o que podemos descobrir sobre o vazio interior de nossa vida se temos sempre de ligar o rádio para ter certeza de que algo está acontecendo à nossa volta…


A audição, como se costuma dizer, é o último dos nossos sentidos a morrer. O som sempre irrompe de modo profundo e importuno em nossa alma. Assim, pelo bem de nossa alma, temos de buscar momentos em que desligamos nosso rádio, nossa televisão, o gravador e o telefone. Precisamos interromper os ruídos da rua. Temos de fazer todos os arranjos necessários para descobrir quanto conseguimos aquietar nosso mundo.


Silêncio e solitude em geral andam de mãos dadas. Assim como o silêncio é vital para a verdadeira solitude, assim também a solitude é necessária para que a disciplina do silêncio seja completa. Poucas pessoas podem ficar em silêncio na companhia de outras.


A maioria, no entanto, vive na companhia de outros. Como podemos praticar tal disciplina? Há algumas maneiras. Por exemplo, muitas pessoas aprenderam a levantar no meio da noite – dividindo o sono da noite em duas partes para experimentar o silêncio. Ao fazer isso, encontram um silêncio rico que ajuda a oração e o estudo sem interrupção. Entretanto, embora possa parecer impossível, progresso significativo no silêncio pode ser feito sem solitude, mesmo dentro da vida familiar. E compartilhar essa disciplina com aqueles que você ama pode ser exatamente o que eles precisam.


Como ocorre com todas as disciplinas, devemos abordar a disciplina do silêncio praticando e orando. Devemos confiar que seremos levados ao uso correto dela. Trata-se de uma disciplina poderosa e essencial. Nosso silêncio nos permitirá a concentração em Deus. E Ele nos transformará. O silêncio nos permitirá ouvir a voz suave de Deus, cujo único Filho “… não discutirá nem gritará; ninguém ouvirá sua voz na rua” (Mt 12.19). É este Deus que nos diz que “na quietude e na confiança está o seu vigor” (Is 30.15).

Temos também de praticar o silêncio de não falar. Em sua epístola, Tiago diz que aqueles que parecem religiosos mas são incapazes de refrear a própria língua “enganam a si mesmos e sua religião não tem valor algum” (Tg 1.26). Tiago afirma que aqueles que não tropeçam no que dizem são perfeitos, sendo também “capazes de dominar todo o seu corpo” (3.2).


A prática de não falar pode, no mínimo, nos dar controle suficiente sobre o que dizemos, a fim de que a nossa língua não aja “automaticamente”. Esta disciplina nos oferece tempo para pesar nossas palavras e condições de controlar o que dizemos.


Essa prática também nos ajuda a ouvir, observar e prestar atenção nas pessoas. E raro sermos realmente ouvidos, e a necessidade de ser ouvido é profunda. Quanta ira na vida das pessoas não é resultado de não serem ouvidas? Tiago diz: “Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se” (1.19).

Quando a língua se move rapidamente, em geral o que se segue é a ira. Dizem que Deus nos deu dois ouvidos e apenas uma boca, para que possamos ouvir duas vezes mais do que falamos. Mas até mesmo nessa proporção é possível falar demais.


No testemunho, o papel da fala muitas vezes é exageradamente enfatizado. Isso soa estranho? O silêncio e, especialmente, o ouvir de verdade são, muitas vezes, o testemunho mais eloqüente da fé. Um dos principais problemas na evangelização não é fazer as pessoas falarem, mas calar aqueles que por meio de uma fala contínua revelam um coração sem amor, desprovido de confiança em Deus. Como diz Miguel de Unamuno, “temos de prestar menos atenção no que as pessoas estão tentando nos dizer, e mais no que elas nos dizem sem tentar!”

Por que falamos tanto? Damos tanta liberdade à nossa boca porque nos sentimos interiormente desconfortáveis com o que os outros pensam de nós. Eberhard Arnold observa: “Pessoas que se amam podem ficar em silêncio juntas.” No entanto, quando estamos com aqueles com quem nos sentimos menos seguros, usamos as palavras para “ajustar” nossa aparência e conquistar aprovação. De outra forma, tememos que nossas virtudes não recebam a apreciação adequada e nossos defeitos não sejam apropriadamente “compreendidos”. Quando não falamos, resignamos aquilo que parecemos (ousaria dizer, aquilo que somos?) a Deus. Por que nos preocupar com a opinião dos outros a nosso respeito quando Deus é por nós e Jesus Cristo está à direita do trono intercedendo em favor dos nossos interesses (Rm 8.31-34). No entanto, nós nos preocupamos.

Pouquíssimas pessoas vivem uma quietude interior confiante, embora a maioria deseje isso. Entretanto, essa quietude interior é uma graça que recebemos quando praticamos “não falar”. E quando nós a temos, podemos ajudar outros em necessidade. Depois que conhecemos esta confiança, quando outros chegam para pescar segurança e aprovação, podemos enviá-los para pescar em águas mais profundas, a fim de que também tenham quietude interior.

Eis o testemunho de um jovem que entrou na prática da solitude e do silêncio:

Quanto mais pratico esta disciplina, mais aprecio a força do silêncio. Quanto menos me torno cético e desprovido de uma atitude de julgamento, e quanto mais aprendo a aceitar as coisas que não gosto nos outros, mais eu os aceito como criados de forma única à imagem de Deus. Quanto menos eu falo, mais profundas são as palavras proferidas na hora apropriada. Quanto mais eu valorizo os outros e lhes sirvo nas pequenas coisas, mais eu celebro e aprecio minha própria vida. Quanto mais eu celebro, mais reconheço que Deus me tem dado coisas maravilhosas em minha vida, e menos me preocupo quanto ao futuro. Eu aceitarei e apreciarei o que Deus está continuamente me dando. Creio que estou começando verdadeiramente a alegrar-me em Deus.

Dallas Willard



fonte: artigo - Solomon1 | foto - Blog Guu. Sales

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