No silêncio, desligamos nossa alma dos “sons”, sejam eles ruídos, cânticos ou palavras. O silêncio total é raro, e o que chamamos de “quieto” significa geralmente um pouco menos de barulho. Muitas pessoas jamais experimentaram o silêncio, nem se dão conta de que não sabem sequer o que ele significa. Nossos lares e locais de trabalho estão repletos de zumbidos, apitos, murmúrios, tagarelices e sonidos dos vários dispositivos supostamente idealizados para tornar a vida mais fácil. Tal barulho nos conforta de uma forma curiosa. De fato, achamos o silêncio total chocante. Ele deixa a impressão de que nada está acontecendo. Num mundo frenético como o nosso, nada poderia ser pior do que isso!
O silêncio vai além da solitude, e sem ele a solitude tem pouco efeito. Henri Nouwen observa que “o silêncio é a forma de tornar a solitude uma realidade”. Entretanto, o silêncio é assustador porque ele nos desnuda como nenhuma outra coisa, confrontando-nos com a realidade crua de nossa vida. Ele nos lembra a morte, a qual nos cortará deste mundo, deixando apenas nós e Deus. E o que implica “apenas nós e Deus”? Pense o que podemos descobrir sobre o vazio interior de nossa vida se temos sempre de ligar o rádio para ter certeza de que algo está acontecendo à nossa volta…
A audição, como se costuma dizer, é o último dos nossos sentidos a morrer. O som sempre irrompe de modo profundo e importuno em nossa alma. Assim, pelo bem de nossa alma, temos de buscar momentos em que desligamos nosso rádio, nossa televisão, o gravador e o telefone. Precisamos interromper os ruídos da rua. Temos de fazer todos os arranjos necessários para descobrir quanto conseguimos aquietar nosso mundo.
Silêncio e solitude em geral andam de mãos dadas. Assim como o silêncio é vital para a verdadeira solitude, assim também a solitude é necessária para que a disciplina do silêncio seja completa. Poucas pessoas podem ficar em silêncio na companhia de outras.
A maioria, no entanto, vive na companhia de outros. Como podemos praticar tal disciplina? Há algumas maneiras. Por exemplo, muitas pessoas aprenderam a levantar no meio da noite – dividindo o sono da noite em duas partes para experimentar o silêncio. Ao fazer isso, encontram um silêncio rico que ajuda a oração e o estudo sem interrupção. Entretanto, embora possa parecer impossível, progresso significativo no silêncio pode ser feito sem solitude, mesmo dentro da vida familiar. E compartilhar essa disciplina com aqueles que você ama pode ser exatamente o que eles precisam.
Como ocorre com todas as disciplinas, devemos abordar a disciplina do silêncio praticando e orando. Devemos confiar que seremos levados ao uso correto dela. Trata-se de uma disciplina poderosa e essencial. Nosso silêncio nos permitirá a concentração em Deus. E Ele nos transformará. O silêncio nos permitirá ouvir a voz suave de Deus, cujo único Filho “… não discutirá nem gritará; ninguém ouvirá sua voz na rua” (Mt 12.19). É este Deus que nos diz que “na quietude e na confiança está o seu vigor” (Is 30.15).
Temos também de praticar o silêncio de não falar. Em sua epístola, Tiago diz que aqueles que parecem religiosos mas são incapazes de refrear a própria língua “enganam a si mesmos e sua religião não tem valor algum” (Tg 1.26). Tiago afirma que aqueles que não tropeçam no que dizem são perfeitos, sendo também “capazes de dominar todo o seu corpo” (3.2).
A prática de não falar pode, no mínimo, nos dar controle suficiente sobre o que dizemos, a fim de que a nossa língua não aja “automaticamente”. Esta disciplina nos oferece tempo para pesar nossas palavras e condições de controlar o que dizemos.
Essa prática também nos ajuda a ouvir, observar e prestar atenção nas pessoas. E raro sermos realmente ouvidos, e a necessidade de ser ouvido é profunda. Quanta ira na vida das pessoas não é resultado de não serem ouvidas? Tiago diz: “Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se” (1.19).
Quando a língua se move rapidamente, em geral o que se segue é a ira. Dizem que Deus nos deu dois ouvidos e apenas uma boca, para que possamos ouvir duas vezes mais do que falamos. Mas até mesmo nessa proporção é possível falar demais.
Por que falamos tanto? Damos tanta liberdade à nossa boca porque nos sentimos interiormente desconfortáveis com o que os outros pensam de nós. Eberhard Arnold observa: “Pessoas que se amam podem ficar em silêncio juntas.” No entanto, quando estamos com aqueles com quem nos sentimos menos seguros, usamos as palavras para “ajustar” nossa aparência e conquistar aprovação. De outra forma, tememos que nossas virtudes não recebam a apreciação adequada e nossos defeitos não sejam apropriadamente “compreendidos”. Quando não falamos, resignamos aquilo que parecemos (ousaria dizer, aquilo que somos?) a Deus. Por que nos preocupar com a opinião dos outros a nosso respeito quando Deus é por nós e Jesus Cristo está à direita do trono intercedendo em favor dos nossos interesses (Rm 8.31-34). No entanto, nós nos preocupamos.
Pouquíssimas pessoas vivem uma quietude interior confiante, embora a maioria deseje isso. Entretanto, essa quietude interior é uma graça que recebemos quando praticamos “não falar”. E quando nós a temos, podemos ajudar outros em necessidade. Depois que conhecemos esta confiança, quando outros chegam para pescar segurança e aprovação, podemos enviá-los para pescar em águas mais profundas, a fim de que também tenham quietude interior.
Eis o testemunho de um jovem que entrou na prática da solitude e do silêncio:
Quanto mais pratico esta disciplina, mais aprecio a força do silêncio. Quanto menos me torno cético e desprovido de uma atitude de julgamento, e quanto mais aprendo a aceitar as coisas que não gosto nos outros, mais eu os aceito como criados de forma única à imagem de Deus. Quanto menos eu falo, mais profundas são as palavras proferidas na hora apropriada. Quanto mais eu valorizo os outros e lhes sirvo nas pequenas coisas, mais eu celebro e aprecio minha própria vida. Quanto mais eu celebro, mais reconheço que Deus me tem dado coisas maravilhosas em minha vida, e menos me preocupo quanto ao futuro. Eu aceitarei e apreciarei o que Deus está continuamente me dando. Creio que estou começando verdadeiramente a alegrar-me em Deus.
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